terça-feira, 19 de agosto de 2008

Psicologia do contrário


Ana Beatriz, minha netinha de 1 ano e 9 meses, não gosta de comer. Todos em casa sofremos com a falta de apetite dela. Quando queremos que ela se alimente pelo menos um pouquinho, apelamos para a psicologia do contrário. Eu falo para ela: “Ana Beatriz, NÃO coma!” Ela faz uma cara sapeca de menininha teimosa e se dana a comer a sopa, a vitamina ou o que a sua aflita mãe prepare. Come tudo e ainda fica com ar de satisfeita.
A psicologia do contrário bem que poderia funcionar para a humanidade como um todo.Começaríamos por institucionalizar o roubo, a corrupção, a violência, a deslealdade, a ganância e todos os inumeráveis males que nos infelicitam. O governo faria campanhas de incentivo aos delitos - dos menores aos mais graves. Gordas verbas publicitárias seriam gastas para motivar a população à prática indiscriminada do mal. Ao mesmo tempo, leis, decretos e medidas provisórias seriam elaboradas proibindo a prática das virtudes. Só pra começar, seria proibido ser feliz; imputariam penas graves para quem praticasse a caridade, a honestidade e qualquer ação que tivesse como alvo o bem do próximo.Em pouco tempo as pessoas começariam a se incomodar com essas medidas. Veríamos surgir nos morros e favelas, o tráfico de gentilezas; nas fronteiras, a solidariedade seria contrabandeada; nas classes abastadas, começariam a praticar a distribuição de bens de primeira necessidade. Os políticos articulariam manobras para aplicar com eficiência as verbas da União e os governantes se apressariam para, sorrateiramente, melhorar as condições da saúde, educação e transportes para a população. Gangs se organizariam para praticar atos de extrema bondade e haveria desvios e mais desvios de verbas para os serviços essenciais.O Bem seria uma contravenção que todos praticariam.
Quem leu esse texto até aqui, deve estar pensando que sou um maluco, um visionário, um delirante utópico que não conhece a medida da realidade. Argumentariam que a realidade é o mal, o egoísmo, a cupidez, a ganância, a traição, a violência...Mas por que a realidade não pode ser o outro lado? Por que valorizamos tanto os atos negativos em detrimento dos positivos? Por que temos que aceitar como normal a anormalidade? Por que somos privados até de elaborar mentalmente um mundo melhor, mais justo, humano e fraterno? Por que estamos perdendo até a capacidade de sonhar?
Continuarei sonhando, mesmo que digam não. Continuarei acreditando, mesmo que digam não.Quem sabe se não estão fazendo comigo, a psicologia do contrário?!
Paulo Moura

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